Em vigor desde o dia 22/10/2022, a Lei nº 14.451/22 trouxe importantes modificações no âmbito das Sociedades Limitadas, alterando a redação dos artigos 1.061 e 1.076, do Código Civil, reduzindo os quóruns de aprovação de determinadas matérias.
Nesse contexto, oportuna se faz uma breve análise sobre as alterações recentes na legislação e sobre as deliberações na sociedade Limitada, de uma forma geral.
Dito isso, os artigos 1.061 e 1.076, do Código Civil, passaram a vigorar com as seguintes redações:
“Art. 1.061. A designação de administradores não sócios dependerá da aprovação de, no mínimo, 2/3 (dois terços) dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e da aprovação de titulares de quotas correspondentes a mais da metade do capital social, após a integralização.”
“Art. 1.076. Ressalvado o disposto no art. 1.061, as deliberações dos sócios serão tomadas
I – (revogado);
II – pelos votos correspondentes a mais da metade do capital social, nos casos previstos nos incisos II, III, IV, V, VI e VIII do caput do art. 1.071 deste Código;”
Com efeito, para eleição de administrador que não seja sócio, não é mais necessária a aprovação unanime caso o capital social não esteja integralizado, mas de 2/3 dos votos representativos do capital social.
Apesar de reduzir o quórum, a nova redação segue a linha da anterior e mantém um quórum elevado. Percebe-se que a intenção do legislador foi no sentido de diminuir a exposição dos sócios até que o capital social esteja integralizado, momento em que não mais responderão de forma solidária, conforme art. 1.052 do Código Civil.
Em se tratando da eleição de administrador não sócio quando o capital social esteja completamente integralizado, o quórum atual é de votos correspondentes a mais de 50% do capital social, não sendo mais necessária a aprovação por 2/3 dos votos representativos do capital social.
Em relação à alteração do contrato social, não é mais necessária aprovação por ¾ (75%) do capital social, mas pelos votos correspondentes a mais da metade do capital social.
Da mesma forma, quanto à Incorporação, Fusão, Dissolução e Cessação do Estado de Liquidação, a nova redação não exige mais aprovação por ¾ (75%), mas pelos votos correspondentes a mais de 50% do capital social.
No tocante à cisão, embora o Código Civil seja silente acerca do quórum necessário para sua aprovação, aplica-se as regras relativas à alteração contratual, ou seja, mais de 50% do capital social, por se tratar de medida necessária a sua efetivação.
Quanto a transformação da Sociedade Limitada em outro tipo societário, é necessária a aprovação unânime dos sócios, se o contrato social não dispuser de forma diferente, nos termos do art. 1.114, do CC.
Já no tocante a aprovação das contas da administração da sociedade e a nomeação e destituição dos liquidantes, bem como quanto ao julgamento das suas contas, a nova lei foi silente, pelo que o quórum aplicável segue sendo o da maioria simples.
Ademais, a regra geral trazida pelo inciso III do art. 1076, do CC permanece sendo a da maioria simples.
Importante, entretanto, ressaltar que para as Sociedades Limitadas enquadradas no Simples – microempresa ou empresa de pequeno porte, o quórum estabelecido pela LC 123/2006 já era reduzido. Vejamos:
“Art. 70. As microempresas e as empresas de pequeno porte são desobrigadas da realização de reuniões e assembleias em qualquer das situações previstas na legislação civil, as quais serão substituídas por deliberação representativa do primeiro número inteiro superior à metade do capital social.
§ 1o O disposto no caput deste artigo não se aplica caso haja disposição contratual em contrário, caso ocorra hipótese de justa causa que enseje a exclusão de sócio ou caso um ou mais sócios ponham em risco a continuidade da empresa em virtude de atos de inegável gravidade.”
Percebe-se pelo teor da Lei nº 14.451/22 que a intenção do legislador foi desburocratizar e facilitar a administração da sociedade. Todavia, a legislação vigente reduziu o poder de veto dos sócios minoritários, o que afeta diretamente as relações de governança e de controle até então estabelecidas e com as quais os sócios anuíram previamente, quando do ingresso na sociedade.
Isso posto, as sociedades constituídas antes da vigência da Lei nº 14.451/22, que traziam em seu contrato social menção aos artigos revogados do Código Civil, podem vir a sofrer com litígios societários, uma vez que os sócios minoritários, em especial, podem se sentir prejudicados.
Para lançar uma luz sobre o tema e seus desdobramentos práticos, oportuno se faz alguns esclarecimentos relativos à vigência e aplicação das leis no tempo que auxiliarão na compreensão do tema.
Por se tratar de norma de direito material, as novas redações dos dispositivos da Lei nº 14.451/22 geram efeitos com o término do período de vacatio legis, ou seja, a partir do dia 22/10/2022.
Assim, no tocante as deliberações anteriores, estas estão garantidas pelo ato jurídico perfeito e pelo direito adquirido, consoante previsto no art. 6º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro e no art. 5º, XXXVI, da CF.
Destarte, ao revés da situação aduzida no parágrafo anterior, no tocante às deliberações após a vigência da Lei nº 14.451/22 alguns questionamentos podem ser suscitados.
Diante dos previsíveis litígios que chegarão ao judiciário vislumbramos 3 hipóteses mais prováveis.
A primeira hipótese diz respeito aos contratos sociais que façam menção genérica ao Código Civil ou à lei, sem mencionar ou transcrever o enunciado dos artigos ou trazer qualquer regra ou quórum para deliberações.
Nesse caso, ao vincular o contrato social de forma genérica ao Código Civil, a sociedade opta por se sujeitar às alterações por este sofridas. Entendemos que não há que se falar em ato jurídico perfeito. Logo, os sócios que estejam insatisfeitos com a alteração provavelmente não terão sucesso em eventual litígio judicial, uma vez que anuíram com essa possibilidade ao ingressarem na sociedade. A estes sócios resta tentar renegociar os termos do contrato social ou buscar um acordo de sócios. Aqui cabe a velha máxima: o acordado não sai caro.
Na segunda hipótese, temos os contratos sociais que façam menção aos artigos do Código Civil revogados pela Lei nº 14.451/22.
A situação aqui é nebulosa, pois se a sociedade fez constar em seu contrato social os artigos do Código Civil revogados pela Lei nº 14.451/22, seus sócios ao nela ingressarem, legitimamente criaram uma expectativa, a de se valer daqueles dispositivos, sem a qual poderiam não ter interesse em participar da sociedade.
Neste caso, há espaço para o entendimento de que a vinculação aos artigos agora revogados caracterizaria um ato jurídico perfeito.
A terceira hipótese a ser analisada versa sobre contratos sociais que prevejam expressamente os quóruns de deliberação e/ou reproduzam a redação do dispositivo revogado.
O raciocínio aqui é o mesmo mencionado na segunda hipótese. Neste caso, contudo, a prevalência do disposto no contrato social em detrimento das alterações promovidas pela Lei nº 14.451/22, seria mais evidente, haja vista a opção pelo quórum fazer parte da redação do contrato, além do fato de não se estar diante de uma norma de ordem pública, ou seja, de observância obrigatória.
A autonomia de vontade dos sócios deve ser prestigiada, bem como o ato jurídico perfeito, ou mesmo de um direito adquirido, consoante previsto no art. 6º, da LINDB e no art. 5º, XXXVI, da CF. Assim, não haveria nenhum óbice na manutenção do previsto no contrato.
As alterações são recentes e ainda não há precedentes ou posição doutrinária majoritária.
Desta forma, a fim de se evitar litígios, recomenda-se que os sócios tentem negociar a alteração do contrato social de maneira a melhor atender e compatibilizar seus interesses.
A realização de acordos de sócios também é uma ferramenta muito útil para se afetar e reconfigurar o controle da sociedade, principalmente quando não for possível a alteração do contrato social.
Há ainda, a possibilidade do exercício do direito de retirada pelo sócio que se sinta prejudicado, contudo, essa opção pode não ser a melhor para a continuidade dos negócios e atividades da sociedade, podendo, inclusive, acarretar sua dissolução. Muitas sociedades não estão preparadas para efetuar o pagamento ao sócio retirante sem comprometer suas atividades. Em verdade, muitos contratos sociais sequer preveem o modo pelo qual se dará a apuração de haveres. Isso pode acarretar ainda mais litígios e precisa ser devidamente analisado.
Quadro esquemático – deliberações da Sociedade Limitada após Lei nº 14.451/22.
| Matéria* | Quórum de aprovação anterior | Quórum de aprovação atual | Dispositivo legal |
| Eleição/designação de administrador que não seja sócio, quando o capital social não esteja integralizado | Aprovação unanime | 2/3 dos votos representativos do capital social | Art. 1.061, CC |
| Eleição/designação de administrador não sócio quando o capital social esteja completamente integralizado | 2/3 dos votos representativos do capital social | votos correspondentes a mais de 50% do capital social | Art. 1.061, CC |
| Eleição/Designação dos administradores, quando feita em ato separado | votos correspondentes a mais de 50% do capital social | votos correspondentes a mais de 50% do capital social | Art. 1.076, II e Art. 1.071, II, CC |
| Aprovação das contas da administração | maioria simples/dos presentes | maioria simples/dos presentes | Art. 1.071, I, CC |
| Remuneração dos administradores quando não prevista no contrato social | votos correspondentes a mais de 50% do capital social | votos correspondentes a mais de 50% do capital social | Art. 1.076, II e Art. 1.071, IV, CC |
| Destituição dos administradores | votos correspondentes a mais de 50% ou 2/3 do capital social *** | votos correspondentes a mais de 50% do capital social | Art. 1.076, II e Art. 1.071, III, CC |
| Alteração do contrato social | 3/4 ou 75% dos votos representativos do capital social | votos correspondentes a mais de 50% do capital social | Art. 1.076, II e Art. 1.071, V, CC |
| Incorporação, Fusão, Dissolução e Cessação do Estado de Liquidação | 3/4 ou 75% dos votos representativos do capital social | votos correspondentes a mais de 50% do capital social | Art. 1.076, II e Art. 1.071, VI, CC |
| Cisão** | 3/4 ou 75% dos votos representativos do capital social | votos correspondentes a mais de 50% do capital social | Art. 1.076, II e Art. 1.071, V, CC |
| Transformação da Sociedade Limitada em outro tipo societário | Aprovação unanime | Aprovação unanime | Art. 1.114, CC |
| Nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento das suas contas | maioria simples/dos presentes | maioria simples/dos presentes | Art. 1.076, III e Art. 1.071, VII, CC |
| Pedido de Recuperação da Empresa | votos correspondentes a mais de 50% do capital social | votos correspondentes a mais de 50% do capital social | Art. 1.076, II e Art. 1.071, VIII, CC |
| Demais matérias não previstas no contrato social | maioria simples/dos presentes | maioria simples/dos presentes | Art. 1.076, III, CC |
* Caso o contrato social não preveja quóruns distintos.
** Não está prevista expressamente no Código Civil. Contudo, como acarreta alteração do Contrato Social, aplica-se a mesma regra da alteração do contrato social.
***Destituição de administrador que fosse sócio e tenha sido nomeado por cláusula no contrato social previa o quórum de aprovação de 2/3.
Obs.: Sociedades Limitadas enquadradas no Simples – microempresa ou empresa de pequeno porte, o quórum estabelecido pela LC 123/2006, em seu art. 70 e seu §1º, já era reduzido, caso o contrato social não dispusesse de forma diferente.
